sábado, 29 de agosto de 2009

Há cada vez mais alunos a contestar as notas dos exames nacionais e a ter razão

Dois em cada três pedidos de nova correcção têm fundamento

Há cada vez mais alunos a contestar as notas dos exames nacionais e a ter razão

No último ano, quase 11 mil exames nacionais do ensino secundário foram revistos e em 62 por cento dos casos os alunos tinham razão e as notas subiram. O número de estudantes que contesta a avaliação tem vindo a aumentar gradualmente e são cada vez mais os que vêem o seu pedido satisfeito e sobem a nota.

Este ano, ainda não há dados disponíveis, apesar das apreciações da 1.ª fase terem sido conhecidas no passado dia dez. Alguns professores contactados pelo PÚBLICO acreditam que o número de pedidos de reapreciação das provas poderá aumentar, uma vez que surgiram várias dúvidas relativamente aos critérios de correcção dos exames de algumas disciplinas, como é o caso de Português ou Química. "Apesar de haver reuniões de professores supervisores com os correctores, há sempre interpretações subjectivas", considera Edviges Ferreira, vice-presidente da Associação de Professores de Português e supervisora.

André Nunes Pedro, aluno que conclui o 11.º ano no Colégio Amor de Deus, em Cascais, desconhece o que se passou com o professor corrector que avaliou o seu exame; o que sabe é que, depois de pedida a reapreciação da sua nota, esta subiu de sete para 13,13 valores (numa escala de 0 a 20). "Havia perguntas com classificação de zero valores e as minhas respostas obedeciam a todos os critérios de correcção", revela. "Subir quase para o dobro não é muito normal", analisa.

Grandes saltos

André não foi caso único na sua turma. Quase meia dúzia de colegas pediram a reapreciação da prova de História e as notas cresceram. Foi o que aconteceu a Duarte Rosa, que subiu 2,6 valores. O aluno ficou surpreendido com os 14,5 valores. "A nota espantou-me porque, assim que terminei o exame, vi os critérios de correcção e, mesmo contando com os erros de português, calculei que teria 16,5 valores". Como não estava no país, foi a mãe que tratou de tudo. Feito o pedido de reapreciação, a nota saltou para 17, 1 valores.

Por vezes, notam-se diferenças nas pautas das escolas, um grupo de alunos tem notas melhores do que outro. É assim que se percebe que houve dois correctores, a quem foram fornecidos os mesmos critérios, mas que tiveram modos diferentes de avaliar. "É humano, porque são pessoas que corrigem, embora os professores sejam obrigados a cumprir os critérios de avaliação", explica Amélia Albuquerque, professora correctora de História da Cultura e das Artes. Por vezes, um professor é mais tolerante do que outro e daí as disparidades de avaliações que se reflectem nas pautas, acrescenta. "Dois professores diferentes olham para as coisas de maneira diferente", confirma Arsélio Martins, presidente da Associação de Professores de Matemática.

Os alunos podem alegar a subjectividade de quem avaliou para pedir recurso. Foi o que aconteceu com Daniela Teixeira Falcão, de 18 anos, aluna na secundária de Barcelos, que recorreu a Português porque considerou que a correcção foi "subjectiva" e a tinha prejudicado. "Eu tinha tirado 16,2 e subi para 17,9. É uma subida bastante significativa", declara, satisfeita.

Mais três pontos a MACS

Mas se disciplinas como História ou Português podem ter uma avaliação mais subjectiva, como explicá-lo a Matemática ou a Matemática Aplicada às Ciências Sociais (MACS)? Mafalda Figueiredo, de 18 anos, e Emanuel Boavista, de 17, nos 12.º e 11.º ano, respectivamente, na secundária de Barcelos, melhoraram a nota de MACS depois de pedida a reapreciação.

A aluna não se conformou com o 16,2 e percebeu que o professor se tinha enganado na avaliação de duas perguntas que, depois de bem corrigidas, elevaram a nota para 19,2 valores. "O professor não estava atento e não seguiu os critérios", diz, peremptória, Mafalda, que defende que estes docentes deveriam ser penalizados.

"Na Matemática sempre houve e ainda há grandes variações. Cada professor dá mais importância a uma coisa ou a outra, por exemplo, existe o chamado "professor subtractivo", que não leva em conta nada senão o resultado final e se esse não estiver correcto não conta", aponta Arsélio Martins.

Quando um estudante pede uma reapreciação, pode ficar com a mesma nota, subir ou descer. Seja qual for a classificação final, é com essa que fica. Ao longo dos últimos anos, em mais de 60 por cento dos pedidos a nota final melhora. Nos bastidores, quando esta ultrapassa os 2,5 valores de diferença, a prova volta a ser corrigida por mais dois professores revisores que confirmam (ou não) essa subida.

Se o aluno não ficar satisfeito com a revisão, ainda pode fazer uma reclamação fundamentada, de maneira a que sejam corrigidos apenas os pontos postos em causa e não todo o exame. "Cada décima conta e é importante para a nossa vida", diz Emanuel, que teve 15,8 a MACS e ficou com 17,5 depois de pedida a reapreciação. Agora ainda vai fazer uma reclamação, a uma das perguntas, e, se esta for aceite, poderá ficar com um 19 de nota final.

O pedido de reapreciação tem um custo de 15 euros, que são devolvidos caso a nota seja alterada. "Ao longo do ano, os professores vão dizendo para pedirmos para ver a prova porque muitas vezes os correctores não avaliam bem", conta Emanuel, que seguiu o conselho e pagou as fotocópias dos dois exames que realizou, mas só pediu a reapreciação de um deles.

A professora Amélia Albuquerque contesta esta visão e defende que as correcções são cada vez mais bem feitas e que, por vezes, os correctores trabalham em equipa. Edviges Ferreira concorda e lembra que há reuniões constantes entre os correctores e os supervisores com o propósito de esclarecer todas as dúvidas e mesmo de corrigir em conjunto uma ou outra pergunta e perceber as razões por que cada um deu determinada nota ou se há consenso na avaliação. "Há uma certa uniformização", considera.

Arsélio Martins também confirma que o Gabinete de Avaliação Educacional (Gave), responsável pela elaboração dos exames e dos critérios, é cada vez mais minucioso nos critérios de correcção, na tentativa de uniformização a avaliação. Contudo, lamenta a perda de autonomia dos professores. "Às vezes, um aluno pode fazer algo genial, mas, como não está previsto nos critérios, o professor não leva em linha de conta. [A acção do Gave] vai tornando mais pobre a actividade do professor", conclui.

O PÚBLICO pediu os dados das reapreciações dos exames da 1.ª fase deste ano, conhecidos no passado dia 10, ao Ministério da Educação, que recusou fornecê-los, alegando que não o fez em anos anteriores. Contudo, estes dados são publicados nos relatórios anuais do Júri Nacional de Exames.
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1397771

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